MP/SP oferece primeira denúncia por feminicídio contra mulher trans em SP
Ela foi morta a facadas, em fevereiro, por seu parceiro de dez anos.
Uma das maiores dúvidas acerca da Lei Maria da Penha quando de sua entrada em vigor em 2006, era sobre a possibilidade de sua aplicação ser estendida à identidade de gênero, ou restrita aos aspectos meramente biológicos da mulher.
Por muito tempo a doutrina entendia pela não aplicabilidade, com raras exceções, dos institutos protetivos da norma, restringindo-a apenas as mulheres.
No entanto, em atuação pioneira no Estado de São Paulo, a Promotoria de Justiça do III Tribunal do Júri da Capital ofereceu denúncia, em junho deste ano, pelo crime de feminicídio contra o ex-companheiro da vítima Michele, uma mulher trans. Ela foi morta a facadas, em fevereiro, por Luiz Henrique Marcondes dos Santos, seu parceiro há dez anos. Michele era vítima de violência doméstica. Em novembro, o juiz decidirá se o acusado vai a júri ou não.
A denúncia reflete a interpretação da Lei Maria da Penha no sentido de caracterizar como violência doméstica sofrida pela mulher “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, ocorrida dentro do ambiente doméstico, familiar ou de sua intimidade, podendo ser violência física, psicológica, sexual, patrimonial, moral e tantas outras”. Para o promotor de Justiça Flavio Farinazzo Lorza, “não há que se questionar o caráter de violência doméstica empregada pelo denunciado à vítima, visto que eram companheiros e coabitavam há dez anos”.
O gênero feminino, enquanto grupo socialmente vulnerável, recebeu especial atenção do legislador na criação de mecanismos para sua proteção, tais como os previstos na Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).
Previu ainda o legislador, na Lei 13.104/2015, uma nova qualificadora do homicídio, condenando de maneira mais gravosa os ilícitos cometidos contra a mulher em razão do seu gênero (art. 121, § 2º, VI, do Código Penal).
Ante a restrição por parte de uma doutrina mais conservadora, o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais emitiu recentemente orientação no sentido de que os promotores adotem as normas protetivas, em casos de agressões a mulheres transexuais e travestis, independentemente de cirurgia, alteração do nome ou sexo no documento civil, conforme destacado pela Folha de SP.
Embora não tenha caráter normativo, a orientação começa a ser adotada pelas promotorias de justiça, e a tendência é a solidificação do entendimento.
Referências: Ministério Público de SP; Folha de SP; CBN
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