A guerra pela paz (e sabe-se lá o que mais)
Doutora em psicologia e psicanalista comenta sobre sua experiência recente na região do conflito.
No dia 07 de outubro iniciou uma guerra entre Israel e Hamas. Um golpe brutal, sem precedentes.
Estive em Israel faz um mês exatamente quando tudo estourou por meio de um massacre brutal. Uma guerra que mal sabemos onde vai parar e quais serão as consequências na vida de cada país e de cada cidadão, no mundo.
Israelenses e palestinos sendo destruídos por aqueles que não estão na guerra, mas em seus lugares de poder. Isso dilacera o coração, me faz em choque! Sim, nada hoje ocorre descolada da nossa vida. Entra por nossos ouvidos, olhos e toca o nosso corpo cada bomba, cada morte e cada abandono.
Tenho um carinho, já de muitos anos, pelo povo judeu e pelo povo palestino, quando já estive por duas vezes, como turista visitando a Jordânia, Israel, Cisjordânia, etc. Houve épocas, por meu marido ser um apaixonado por histórias da segunda guerra, era quase condição, em algumas das nossas viagens, visitarmos museus da guerra, do holocausto, inclusive, de irmos aos campos de concentração de Auschwitz e Birkenau. Confesso, depois de muitas visitas, assistir muitos documentários e filmes decidi não mais entrar pelo tema. Sempre foi muito doloroso para mim e passava dias para me recompor. Imagino que seria para quase todos nós.
Na última viagem, entretanto, fui de novo ao museu do holocausto em Jerusalém. Um museu espetacular na sua forma de apresentar e narrar esse pedaço trágico da história. Um museu que comove, inclusive por sua coragem e, ao mesmo tempo, um realismo quase terno (se é possível) para apresentar uma história terrível. Novamente, como sempre, fui tocada de muita emoção.
Pois bem, visitar Israel e a Cisjordânia, esse ano, teve muitos significados pessoais, porque faz parte de caminhos que tenho trilhado na tentativa de estudar e entender a história da religião cristã. Já estava programando outros países como Egito, Turquia para continuar a trajetória de conhecimento, mas parece que terei que adiar, infelizmente, tomara que não seja por muito tempo!
Essa última viagem foi uma experiência que de tão intensa levei tempo para digerir. Ainda estou nessa digestão. A história, as guerras, a destruição, a barbaridade sempre fizeram parte da construção da civilização. O que hoje parece moda, que tanto se chamo de espiritualidade, é algo bem mais complexo do que só juntar as mãos, meditar, orar, ter palavras bonitas e por vezes vazias.
A espiritualidade se constituiu ao longo da história em meio a enormes e sangrentas batalhas e assim, em cada um, quando levada a sério. Não essa bobagem de frases infantis, moralistas, e sob sua própria desculpa, fanática e sem crítica. A espiritualidade se constitui na disciplina e no exercício real de aceitação do outro, dos outros. Na ação. Na transformação e na coragem de pensar tal como as coisas são. Sem mágicas e soluções infantis. Portanto, nada fácil nem bonitinho. Aliás, vale dizer, ninguém precisa ir a lugar nenhum para viver a espiritualidade. Basta ter coragem de viver em você. Nada trivial.
Hoje acordei, assim, pensativa, triste e com uma certa angústia. O que será do mundo? Esse mundo que ainda participo? O mundo das minhas filhas, dos meus netos, dos que estão nascendo? Desse mundo também dos seus familiares?
Estou aqui com minhas batalhas pessoais, íntimas, com tristezas, inconformidades, indignação, raiva de ver o mundo nessa e em outras imensas guerras, tentando entender o sentido desse caos. Mas, a verdade, é que sempre houveram guerras. Quando o mundo foi bonzinho? Quando houve a tal “paz” proclamada? Quando houve tolerância plena entre seres humanos? Nossa existência, desde sempre, tem sido marcada por disputas, competição, hipocrisias, mentiras, ganância e, a pior, por tanta ignorância, tanta!
Meu texto, embora retrate minha imensa desolação que venho há dias lidando, acredita nos pequenos redutos de comunhão, na fé e na esperança que também nos fizeram chegar até aqui como civilização. Recuso-me a sucumbir ao medo e a não confiança, mesmo na corda bamba.
E lembro do meu pai que viveu a Segunda Guerra, na Italia, seu país de origem, que me contava como era difícil manter a esperança, mas mantinha. Como era triste olhar ao redor e só destruição, mas construía. Se emocionava pelo orgulho dele e sua família terem sobrevivido, imigrado e construído sua paz, seu reduto. Repetia: seja o que faça, dedique-se, ame sempre o que faz! Talvez esse seja o maior exercício espiritual: amar o que escolhe fazer, dedicar-se e não se deixar tomar pela indiferença, banalidade e descaso com aquilo que aparentemente parece não nos dizer respeito.
Infelizmente, sou um pouco obsessiva quando algo me interessa e estou assimdiante desses conflitos. Passo dias acompanhando notícias, opiniões, análises e converso com quem posso e se interessa dividir. Às vezes pesa muito ver cenas, ouvir relatos, mas essa é minha vida. Ouvir sofrimentos para buscar entendimento.
Rogo a Deus que caminhos menos violentos sejam encontrados e possamos evoluir um tiquinho que seja a cada desespero, perdas e desamparo.
Que possamos construir dias melhores!
Artigo escrito por Blenda Oliveira, doutora em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. A especialista atua como psicoterapeuta em orientação de pais, famílias, casais e adultos. Ela é autora do livro Como fazer as pazes com a ansiedade, publicado pela Editora Nacional em 2022. Blenda escreve e troca ideias por meio das redes sociais no @blendapsi.
Fonte: Imagem Ilustrativa. Crédito — Reprodução / Freepik.
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