Abordagem Notícias
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LOCAL • 21/10/2024 às 03:27

Júris: Assis tem presenciado resultados que devastam familiares das vítimas.

Para promotor de Justiça, pena baixa e desproporcional conduz à ideia de que o crime compensa.

Júris: Assis tem presenciado resultados que devastam familiares das vítimas.

O crime de homicídio está configurado no artigo 121 do Código Penal, sendo um dos mais graves, uma vez que põe fim à vida humana, muitas vezes com requintes de crueldade e associados a outros, como sequestro, cárcere privado, tortura, estupro, ocultação de cadáver e tanto outros agravantes.

No Brasil, os julgamentos dos réus são, na grande maioria das vezes, frustrantes para familiares e amigos das vítimas. Após longos períodos de espera para a realização do júri, intermináveis horas de debates entre acusação e defesa, é comum assistirem a um veredicto, brando, não poucas vezes com sentença a ser cumprida no semiaberto.

No Fórum da Comarca de Assis, por exemplo, são incontáveis os júris onde o criminoso “sai pela porta da frente”, causando latente sentimento de impotência, impunidade e injustiça àqueles que perderam um ente querido para a violência extrema. 

Diante o cenário, comum, de criminosos julgados e absolvidos, ou beneficiados pelo regime semiaberto, Abordagem Notícias entrevistou o promotor de Justiça, Fernando Fernandes Fragra, que atua nos júris de Assis.

Acompanhe:

AN - Em sua opinião, por que as penas para homicídios têm sido tão baixas?

Fernando Fernandes Fragra - A razão pela qual as penas em casos de crimes de homicídio são, muitas vezes, consideradas “baixas” é a quantidade de anos de reclusão prevista pela legislação em vigor como sanção àquele que tira a vida de outrem. Ao homicídio simples prevê-se pena de 06 a 20 anos de reclusão, e ao homicídio qualificado a pena é de 12 a 30 anos de reclusão, medidas que, em minha opinião, não são minimamente proporcionais ao bem jurídico violado: a vida.

Com isso, caso os fatos correspondam a um homicídio simples, isto é, àquele não conta com nenhuma circunstância que demande um aumento da pena – qualificadoras -, aplica-se uma pena de 06 anos de reclusão a um indivíduo que interrompeu, definitivamente, a vida de outrem. Mesmo desconsideradas as benesses da execução penal, que comportam uma discussão à parte, é flagrante, em minha visão, a desproporcionalidade entre a gravidade da conduta e a reprimenda prevista em lei.

 

Como o MP pode trabalhar para garantir que as penas sejam mais justas e proporcionais?

Ao Ministério Público cabe a defesa da sociedade, e no campo das ações penais que tratam de crimes de homicídios isso significa cuidar para que o Conselho de Sentença, que é o conjunto dos jurados sorteados para o julgamento da causa, acolha a tese que leve à aplicação da pena adequada ao fato que está provado no processo. O Ministério Público não decide sobre o fato, mas nos casos de Júri é seu papel oferecer aos senhores jurados todas as condições para que conheçam os fatos de acordo com o que está no processo e decidam de forma justa. Logo, o Ministério Público não pode garantir uma pena justa, pois isso cabe aos jurados e ao magistrado que preside a sessão de julgamento, mas deve fazer de tudo para que a sanção seja aplicada de tal forma.

Neste contexto, o Ministério Público contribui para que a pena seja aplicada de forma justa e proporcional, primeiro, cuidando para que o processo chegue ao plenário com prova de tudo aquilo que consta da acusação, a partir das diligências realizadas pela Polícia Civil no inquérito policial. O Ministério Público não pode, em hipótese alguma, lançar pedido de condenação ou de agravamento de pena com base em circunstância não provada, mas é seu papel cuidar para que nenhuma prova passe despercebida aos jurados, ou seja, objeto de distorção por parte da defesa quando dos debates.

Num segundo momento, o Ministério Público contribui para que a pena seja justa e proporcional ao estudar e conhecer o processo. Estar atento a todas as peculiaridades dos autos é fundamental para fazer com que os senhores jurados sigam a trilha das provas e não se deixem levar por pedidos defensivos que não estejam de acordo com o que está nos autos.

Por fim, o Ministério Público contribui para que a pena seja aplicada de forma justa e proporcional quando não se deixa levar por nenhum sentimento de clemência ou vingança, demonstrando ao Conselho de Sentença qual a solução justa de acordo com o que está no processo, pouco importando circunstâncias alheias ao processo.

 

Acredita que a cultura de impunidade contribui para a baixa aplicação de penas para homicídios? Se sim, como é possível mudar essa cultura?

Penso que não. A cultura da impunidade existe em nosso País, é intensa e é a raiz de uma série de mazelas, e no caso de homicídios, por exemplo, creio que é um dos principais motivos para a prática de novos crimes. Aquele que sabe que se atentar contra a vida alheia será criteriosamente punido tem incutida a ideia de que o crime não compensa e consegue frear, em regra, qualquer impulso destinado a ofender a integridade física e a vida do próximo. O problema é que não apenas o inverso é verdadeiro, como ainda que a perpetuação da impunidade constitui verdadeiro incentivo para a prática de novos crimes, de modo que aquele que sabe que não vai ser punido não apenas não se preocupa em frear sua intenção criminosa como, ainda, vê-se incentivado a praticar o crime pela falta de impunidade.

A discussão relativa à quantidade de pena, contudo, parte do pressuposto de que alguma condenação houve, e por isso entendo que não sofre influência da impunidade. Em verdade, a relação de causa e efeito é inversa: a pena baixa e injusta é que incrementa a sensação de impunidade, na medida em que uma pena que não seja proporcional à gravidade da conduta praticada não gera qualquer tipo de receio de nova prática daquele tipo de conduta, pois ainda que haja punição, a pena baixa e desproporcional também conduz à ideia de que o crime compensa.

Quais os maiores desafios do MP ao lidar com casos de homicídios e como os enfrenta?

São diversos os desafios enfrentados pelo Ministério Público ao lidar com casos de homicídios, muitos deles decorrentes da própria complexidade e gravidade dos casos. Os crimes dolosos contra vida são, por definição, crimes praticados com violência, de modo que é natural que sejam praticados na clandestinidade ou, então, que sejam testemunhados por pessoas que não pretendem ter seu nome vinculado à possível punição do assassino. Isso dificulta, e muito, a colheita de provas da conduta.

Além disso, do ponto de vista processual, o processo dos crimes doloso contra a vida passa por fase adicional quando comparados aos processos relativos aos crimes comuns: a fase do juízo de formação da culpa. Com isso os processos de “crimes de Júri” demoram sobremaneira para irem a julgamento, fazendo com que a prova que já é difícil de colher, muitas vezes, venha a se deteriorar (por exemplo: testemunha que não consegue se recordar de detalhes de fatos que visualizou anos atrás).

Por fim, durante o Plenário o Ministério Público vê-se obrigado a rebater uma série de teses defensivas, pois à defesa se permite lançar uma série de teses em favor do réu, ainda que contraditórias entre si, enquanto ao Ministério Público cabe construir acusação com tese única, até porque a solução justa é única, não comporta divisão ou dupla interpretação.

Que medidas legislativas poderiam ser implementadas para garantir penas mais duras?

A principal medida legislativa que deveria ser implementada para garantir pena mais dura é a ampliação das penas mínima e máxima relativas aos crimes de homicídio, de forma que ostentem, minimamente, uma relação proporcional em relação ao bem jurídico tutelado, lembro, a vida.

Quais os fatores que influenciam na decisão do juiz ao estabelecer penas em casos de homicídios?

Os fatores que devem nortear o magistrado ao estabelecer penas em caso de homicídios são os mesmos que orientam a aplicação de pena em relação aos demais casos. Num primeiro momento o magistrado deve analisar circunstâncias gerais do réu, da vítima e dos fatos, tais como antecedentes, eventual gravidade especial do fato, o comportamento da vítima, dentre outros aspectos previstos no artigo 59 do Código Penal. Na sequência, o magistrado passa a observar algumas circunstâncias também gerais, mas que a lei prevê que deverão influenciar positiva ou negativamente a pena, que são as agravantes e as atenuantes. Por fim o Juiz deve analisar se há alguma circunstância específica do crime que justifique o aumento ou a diminuição da pena.

Em resumo, o magistrado tem a lei como parâmetro para a aplicação da pena, daí a relação direta entre a quantidade de pena aplicada a cada caso e a quantidade de pena prevista em lei como punição pela prática de crimes de homicídio.

Como a sociedade pode ajudar a pressionar as autoridades competentes para garantir sentenças mais justas?

Qualquer intenção de pressionar, socialmente, autoridades competentes para garantir que penas relativas a crimes de homicídio sejam mais justas, penso eu, deve se valer dos meios legais, sociais e pacíficos que estão à disposição de qualquer cidadão. Falo aqui da lei de iniciativa popular, do acionamento do parlamentar em que confiou ao exercer o seu direito ao voto para solicitar qualquer tipo de atuação específica, ou mesmo da utilização das redes sociais para, de forma pacífica, organizada e civilizada, cobrar aquilo que a sociedade entende como o certo.

Acha que o Corpo de Sentença é capacitado para votar os quesitos?

Mais do que capacitado. Só compõe o Conselho de Sentença aquele que conduz sua vida de forma a demonstrar que é capaz de representar a sociedade no exercício da função jurisdicional, o que basta para o exercício da função de Jurado. Os jurados levam ao Plenário seus princípios e valores para, junto das provas lhe apresentadas e das questões jurídicas lhe expostas, darem a solução mais justa ao caso, e todos os jurados da nossa Comarca o fazem com maestria.

Fonte: Redação




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