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ARTIGO • 21/10/2024 às 06:46

Psicóloga, mestra e doutoranda em Psicologia pela Unesp discorre sobre as mortes pela Covid-19

'Em uma cidade do tamanho de Assis a chance de você conhecer alguém que morreu é enorme'.

Psicóloga, mestra e doutoranda em Psicologia pela Unesp discorre sobre as mortes pela Covid-19

Enquanto escrevo, 364 pessoas morreram em decorrência da COVID-19 na cidade de Assis. Ultrapassamos a marca dos 510 mil brasileiros que se foram. Do momento que comecei a escrever essas linhas até o momento de finalizá-las tantas outras pessoas terão perdido a vida em decorrência dessa doença. Quando vocês estiverem realizando a leitura desse texto esses dados não serão mais os mesmos. Mas não são apenas números. Estatísticas são informações vazias se não tivermos a sensibilidade de olhar para além delas. Somos nós que vamos construindo sentido a esses números se nos permitirmos sentir o que eles nos dizem. O que esses números dizem para você?

Para mim eles representam uma infinidade de histórias e sonhos que foram impedidos de serem concretizados. Mas essas histórias não acabam aqui. Podemos honrá-las todos os dias cultivando gestos de amor e solidariedade. A morte não é o fim. Enquanto essas pessoas forem amadas e fizerem parte da memória de outros seres elas continuarão existindo. Não precisamos perder alguém próximo para termos a dimensão do impacto gerado pela morte de uma pessoa querida. Basta sermos compassivos o suficiente. Em uma cidade do tamanho de Assis a chance de você conhecer alguém que morreu é enorme. Pode ter sido seu vizinho, o colega de trabalho do seu irmão, o vendedor de uma loja que você frequentava. Mas, era o amor da vida de alguém. E isso é insubstituível.

E mesmo que você não tiver perdido alguém em decorrência da COVID-19 te garanto que você perdeu muita coisa. Perdemos, enquanto humanidade. Perdemos a nossa capacidade de nos sensibilizar diante da dor do outro, de oferecer acolhimento e presença sem julgamentos, de nos responsabilizar. Se engana quem acha que liberdade é sinônimo de onipotência. Não podemos fazer o que quisermos justamente porque liberdade individual não existe sem responsabilidade coletiva. Estamos conectados e o que fazemos impacta, direta e indiretamente, a vida dos outros. Isso ficou visível nessa pandemia e mesmo assim agimos como se fôssemos seres separados do restante do mundo. É preciso resgatar nossa humanidade. Vamos nos tornando menos humanos quando deixamos de nos importar, quando nos anestesiamos diante do sofrimento, quando normalizamos o absurdo. Não há nada de normal no que estamos vivendo e não há como retornar àquela ideia que tínhamos de normalidade, porque foi justamente ela que nos trouxe até aqui. É preciso construir um novo mundo, novas relações, em que enxergamos verdadeiramente o outro. Só assim é possível prosseguir.

 

Aline Sabbadini

Psicóloga, Mestra e Doutoranda em Psicologia pela UNESP/Assis. Atua como psicóloga clínica a partir da perspectiva fenomenológica-existencial. Também pesquisa e trabalha nas áreas que envolvem envelhecimento, luto, finitude e cuidados paliativos.

 




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