Relatores votam contra possibilidade de juízes bloquearem WhatsApp
Para Rosa e Fachin, a legislação visa proteger a privacidade.
O Supremo Tribunal Federal (STF) deu início ao julgamento de duas ações que tratam da possibilidade de juízes bloquearem serviços de mensagens pela internet, como o WhatsApp, por descumprimento de alguma ordem judicial. Até o momento, apenas os dois relatores votaram, ambos no sentido de assentar que uma decisão judicial não pode suspender o funcionamento do aplicativo em todo o território nacional.
Para Rosa Weber e Luiz Edson Fachin, uma sanção do tipo só pode se dar caso a empresa viole a privacidade dos usuários. Fachin foi além e entendeu que à luz do disposto na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), compete à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) a aplicação da sanção, não à Justiça. A LGPD ainda não está em vigor e a ANPD não foi instituída, mas o ministro ponderou a importância delas.
Além do bloqueio do WhatsApp, as ações discutem, ainda, a possibilidade técnica ou não de interceptação de conversas no aplicativo e a de colaboração do WhatsApp com as requisições judiciais baseadas no Marco Civil da Internet e na legislação sobre interceptações das comunicações. No passado, os bloqueios foram determinados por juízes que haviam ordenado o compartilhamento de informações de usuários dos aplicativos para fins de instrução processual.
Tanto Rosa Weber quanto Luiz Edson Fachin defenderam a proteção dos dados trocados por usuários pelas redes sociais como dentro da garantia à privacidade. Os dois trataram da criptografia de ponta a ponta nos votos e a defenderam como um instrumento de segurança aos usuários. E, já que as empresas não têm acesso aos conteúdos das mensagens, não podem ser punidas por não fornecerem os dados.
O único ponto em que apresentaram uma diferença de entendimento foi a respeito das investigações criminais e a declaração final do voto. Fachin votou no sentido da inconstitucionalidade sem redução de texto do art. 7º, II, e 12, III, ambos do Marco Civil da Internet, para a afastar qualquer interpretação do dispositivo que autorize ordem judicial que exija acesso excepcional a conteúdo de mensagem criptografada ponta-a-ponta ou que, por qualquer outro meio, enfraqueça a proteção criptográfica de aplicações da internet.
Já Rosa julgou procedente o pedido de interpretação conforme a Constituição do art. 10, § 2º, da Lei nº 12.965/2014, a fim de assentar interpretação segundo a qual “o conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7º, e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
O caso é analisado no âmbito de dois processos: a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5527, relatada pela ministra Rosa Weber, e a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 403, que têm em questão dispositivos do Marco Civil da Internet (MCI), Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, mais precisamente o art. 10, em seu § 2º, e o art. 12, em seus incisos III e IV — os trechos invocados para justificar decisões pela suspensão temporária dos serviços como sanção pelo descumprimento, por parte da empresa responsável pelo aplicativo, de ordem judicial de disponibilização do conteúdo das comunicações.
O julgamento teve início na quarta-feira (27/5), com as sustentações orais e o voto da ministra Rosa Weber na ADI 5527. Nesta quinta-feira (28/5), o julgamento foi retomado com o voto do ministro Fachin na ADPF 403. Na sequência, Rosa votou na ação relatada por Fachin e então ele votou na ação relatada pela colega. Depois dos votos dos relatores, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista, suspendendo o julgamento.
Rosa Weber
De acordo com a relatora, qualquer bloqueio de serviço de provedor de internet apenas pode ser autorizado quando as plataformas violam a privacidade do cidadão — e não o contrário, ou seja, quando a empresa resiste a uma ordem judicial que quer justamente essa violação da privacidade, com a entrega de dados do usuário.
Isso porque o objeto explicitado no Marco Civil da Internet é a proteção das garantias de privacidade. Rosa observou que a Constituição assegura a inviolabilidade do sigilo da correspondência e comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, exceto por ordem judicial, nas investigações criminais e persecuções penais.
A relatora da ADI ressaltou, logo no início do voto, que o MCI estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e é “amplamente celebrado, inclusive no âmbito internacional, por situar nosso país em posição de vanguarda no tocante à proteção dos direitos e à previsão de deveres para os usuários da rede mundial de computadores”. Ou seja, ele se propõe a harmonizar princípios como a garantia da liberdade de expressão e de comunicação, a proteção da privacidade e dos dados pessoais e a responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades.
Ela aponta que ele é, como observaram diversos amici curiae e expositores da audiência pública, fruto de intensos debates e estudos, com ampla participação da sociedade civil desde a sua concepção até a aprovação do seu decreto regulamentador, o Decreto nº 8.771/2016.
“Mais do que estações para fazer e receber chamadas, ou meros espelhos negros quando inativos dentro dos bolsos e bolsas, os telefones celulares, uma vez ativados em nossas mãos, convertem-se em janelas luminosas para a nossa intimidade”, disse a ministra.
Fachin
No mesmo sentido, votou o ministro relator da ADPF. Criptografia é um ponto central do voto do relator. Para ele, ela é um meio de se assegurar a proteção de direitos que, em uma sociedade democrática, são essenciais para a vida pública. Fachin afirma que a questão é “saber se o risco público representado pelo uso da criptografia justifica a restrição desse direito por meio da imposição de soluções de software, como, por exemplo, a proibição da criptografia ou a criação de canais excepcionais de acesso ou pela diminuição do nível de proteção”.
Como resposta, Fachin defende que os direitos que as pessoas têm offline devem também ser protegidos online. Para ele, direitos digitais são direitos fundamentais. O ministro cita que esta é a orientação do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e é também a do julgamento da ADI 6.387, relatada pela ministra Rosa Weber, que definiu que as empresas telefônicas não devem ser obrigadas a enviar dados de usuários ao IBGE.
De acordo com ele, a Corte tem se mantido atenta à necessidade de atribuir eficácia máxima aos direitos fundamentais mesmo diante de mudanças tecnológicas. Foi, assim, por exemplo, com o direito ao sigilo bancário, ao sigilo fiscal e ao sigilo telefônico, inclusive para emails. “Na internet, a proteção de privacidade não é apenas proteção individual, mas garantia instrumental do direito à liberdade de expressão. Isso porque o fluxo de informações é feito tanto pelos dados que são recebidos, quanto pelos dados enviados.”
Apontando os dispositivos do MCI que tratam da privacidade, Fachin ressalta a relevância do direito e da própria legislação. “Trata-se, portanto, de norma que, não obstante sua natureza de legislação ordinária, densifica o comando constitucional e internacional sobre a privacidade do fluxo de comunicações. Ele é, substancialmente, a ponte que atualiza e adapta o alcance do direito à privacidade ao mundo digital”, disse.
O ministro dá peso à defesa do direito à privacidade, direito à liberdade de pensamento e de expressão que contam, no âmbito da jurisprudência da Corte, com alto grau de proteção. Dessa forma, as restrições a todos esses direitos “devem ser cautelosamente justificadas”.
Fachin lembrou que, durante a audiência pública, perguntou-se aos representantes dos órgãos de segurança, quais os crimes que exigiriam a investigação preferencialmente ou exclusivamente a partir de interceptações. Os representante do Ministério Público Federal, mencionaram, especificamente, pornografia infantil, organizações criminosas, tráfico de drogas e tráfico de armas.
Para o ministro, a concessão de privilégios especiais a agentes do governo apresenta riscos graves à segurança de todos. “Não existe acesso apenas para as pessoas boas”, disse. Para ele, então, é contraditório que, em nome da segurança, se deixe de promover a busca por uma internet mais segura, direito de todos e dever do Estado.
No entendimento do ministro, além dos riscos de tornar a vulnerabilidade do sistema explorável por outras pessoas, eventual acesso excepcional de um aplicativo faria com que os usuários migrassem em direção a outros, mais seguros. No caso de criminosos, a consequência provável é “de optarem por sistemas ainda mais restritos, ainda mais difíceis de serem rastreados, quando não sistemas que poderia, quiçá, ser tidos por ilegais.”
Bloqueios
Um dos primeiros casos de bloqueios judiciais de grande repercussão no Brasil foi o do YouTube, em 2007, devido à divulgação de um vídeo íntimo envolvendo a apresentadora Daniela Cicarelli, cujas imagens foram capturadas em uma praia, sem autorização.
Já entre 2015 e 2016, em um intervalo de apenas oito meses, o WhatsApp teve suas atividades suspensas três vezes no Brasil – por alguns dias ou algumas horas –, em virtude de decisões judiciais. “Em nenhum desses casos, o provedor da aplicação ou sua empresa controladora era réu por violação das obrigações decorrentes do Marco Civil ou qualquer outra obrigação prevista pela legislação brasileira”, ressaltou Rosa.
Houve, ainda, uma ordem de bloqueio em fevereiro de 2015, da Justiça do Piauí, e outra em maio de 2016, por um juiz de Sergipe, ambas cassadas antes da implementação. O juiz subscritor dessa última ordem é o mesmo que, em março de 2016, chegara a ordenar a prisão de diretor do Facebook no Brasil, pelo descumprimento de uma decisão judicial.
“Casos como esses têm feito o Estado brasileiro figurar, ao lado de Estados que não compartilham das mesmas tradições e valores democráticos caros à nossa sociedade, em listas de países pouco comprometidos com a preservação das liberdades individuais na Internet”, afirmou Rosa Weber. A lista de países que acompanham o Brasil nesse histórico de práticas inclui Turquia, Bangladesh, Índia, Paquistão, Tajiquistão, Sudão, Sri Lanka, Malásia, Irã e China.
Audiência pública
A Polícia Federal, na audiência pública promovida em junho de 2017, defendeu uma visão retrospectiva da matéria, buscando demonstrar que as empresas de e-mail (Microsoft, Gmail, etc) também faziam uso de argumentos técnicos para, num primeiro momento, “se esquivarem do cumprimento de ordens judiciais, mas que atualmente colaboram com as investigações”.
A PF, então, destacou que a decisão a ser tomada pelo STF poderá ser um divisor de águas, alertando que diversos meios de investigação que a Polícia Federal dispõe atualmente poderão cair por terra, sob o mesmo argumento de inviabilidade técnica utilizado pelo WhatsApp.
Co-fundador do WhatsApp, Brian Acton esteve na audiência pública a respeito do tema e, na ocasião, explicou que a criptografia ponta-a-ponta adotada pelo aplicativo faz com que ninguém além do usuário tenha acesso ao conteúdo das mensagens e dos dados que trafegam pelo aplicativo.
Por esse modelo, não seria possível desabilitar a criptografia para usuários específicos, ressaltando que qualquer alteração nas chaves de segurança que pudessem permitir a interceptação seria percebida e corrigida pelo sistema de verificação de código do aplicativo. A única maneira de desabilitar a criptografia para um usuário específico seria desabilitar a criptografia para todos os usuários. (https://www.jota.info/)
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