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REGIÃO • 21/10/2024 às 06:18

Promotor de Justiça e advogadas são acusados de associação criminosa em Presidente Prudente

TJ-SP recebeu denúncia e os tornou réus em ação penal.

Promotor de Justiça e advogadas são acusados de associação criminosa em Presidente Prudente

Escritório Renata Moço Sociedade de Advogados — Foto: Reprodução/Internet

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) recebeu a denúncia apresentada pelo Ministério Público contra o promotor de Justiça André Luís Felício e o tornou réu em ação penal juntamente com as advogadas Tatiana Cavalcanti Teixeira Felício, esposa dele, e Renata Moço.

Os acusados passam a responder pelos crimes de associação criminosa, corrupção passiva, concussão e advocacia administrativa, em concurso material e de pessoas.

Além disso, Felício ainda responde pela situação agravante caracterizada por quem, no caso de concurso de pessoas, promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes.

O recebimento da denúncia apresentada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE) contra os réus foi determinado em acórdão registrado nesta terça-feira (18) pelo Órgão Especial do TJ-SP.

Ainda no mesmo acórdão, ao qual o G1 teve acesso, o Órgão Especial do TJ-SP derrubou o segredo de Justiça que havia sido decretado para o caso em setembro de 2019.

Compete ao Tribunal de Justiça, privativamente, o julgamento de membros do Ministério Público nos crimes comuns e de responsabilidade.

Desde abril do ano passado, André Luís Felício é alvo de uma sindicância instaurada no âmbito administrativo pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e está afastado do cargo de promotor de Justiça em Presidente Prudente (SP).

A denúncia

O acórdão relata que, segundo a denúncia apresentada pelo MPE, o promotor de Justiça André Luís Felício e as advogadas Tatiana e Renata teriam se associado, no segundo semestre de 2015, “para o fim específico de cometer crimes”.

Teriam, então, entre os meses de julho de 2016 e julho de 2018, se reunido na sede da Promotoria de Justiça de Presidente Prudente, no escritório da “Renata Moço Sociedade de Advogados” e em um imóvel residencial situado em um condomínio de luxo na zona sul da cidade para solicitar vantagem indevida de um advogado.

Em outra oportunidade, entre os meses de março e julho de 2018, o trio e um publicitário teriam se reunido na sede da “Renata Moço Sociedade de Advogados”, em uma clínica de oftalmologia e no interior de um “café”, situado no Parque do Povo, todos endereços em Presidente Prudente, para, agindo em concurso e com identidade de propósitos, exigir vantagem indevida de dois médicos.

“A narrativa expõe que André, que ocupava o cargo de 2º Promotor de Justiça Auxiliar de Presidente Prudente e ostentava atribuições relacionadas à tutela do consumidor e ao atendimento ao público, se associou a sua esposa (Tatiana), advogada que presta serviços para ‘Renata Moço Sociedade de Advogados’, sociedade controlada pela também advogada Renata Moço, igualmente parte na associação e, abusando dos poderes do cargo público ocupado e violando os deveres a ele inerentes, se encarregava de captar novos clientes para a sociedade de advogados assumindo, ainda, o compromisso de patrocinar os interesses desses clientes perante a Promotoria de Justiça”, relata o acórdão do TJ-SP ao qual o G1 teve acesso.

Segundo a denúncia, André Luís Felício identificava os clientes (pessoas investigadas em razão de suposta violação de bem jurídico cuja tutela estava a seu cargo), solicitava ou exigia a contratação dos serviços advocatícios prestados pela “Renata Moço Sociedade de Advogados” e em troca oferecia um “desfecho favorável” do caso.

“Celebrado o contrato de prestação de serviços, os honorários advocatícios eram distribuídos entre os três denunciados que incorreram, dessa forma, nas condutas dos delitos de concussão e/ou corrupção passiva, em concurso e com identidade de desígnios”, pontua o acórdão do TJ-SP ao qual o G1 teve acesso.

“Em outra forma de atuação delituosa, André, ao realizar o atendimento do público na Promotoria, tomando conhecimento de eventual ameaça ou violação de direitos da pessoa, condicionava a tomada de providências à contratação dos serviços advocatícios das denunciadas, caracterizando, os honorários recebidos e partilhados, a vantagem indevida elemento dos tipos penais descritos nos artigos 316 e/ou 317 [concussão e/ou corrupção passiva], do Código Penal”, cita o documento.

Além disso, ainda segundo o acórdão, o promotor de Justiça advogava os interesses dos clientes do escritório de advocacia mediante influência exercida sobre os demais promotores, especialmente os que se encontravam em início de carreira, fornecendo minutas de pareceres favoráveis aos clientes de Renata e Tatiana, incorrendo, os três, também na conduta do artigo 321, do Código Penal (advocacia administrativa).

Defesa

Em resposta à acusação formulada pelo MPE, André Luís Felício e sua esposa Tatiana Cavalcanti Teixeira Felício alegaram, em síntese, inépcia da denúncia, do ponto de vista formal e material.

Ambos sustentaram que a alegação de que houve associação para o fim específico da prática de crime não possui nenhum substrato probatório nos autos, que todo o procedimento investigativo se baseou em prova testemunhal e que não há qualquer depoimento que afirme a existência desta suposta associação criminosa, bem como de que André seria o agente de destaque nesta associação.

Outro argumento apresentado pela defesa foi o de que o único vínculo entre os denunciados é o de que André é casado com Tatiana, que, por sua vez, trabalha com Renata.

A defesa do casal ainda acrescentou, segundo o acórdão do TJ-SP, que a acusação elaborou “verdadeiro malabarismo retórico” para, inclusive, colocar o publicitário como participante do crime de concussão, “sugerindo fantasiosa esperança de se ver futuramente beneficiado em contratações com o Poder Público”.

André e Tatiana alegaram que o procedimento investigatório criminal não instrumentalizou o procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Poggio Smanio, “de modo a viabilizar o oferecimento de uma denúncia clara, precisa, válida”, conforme aponta o acórdão.

Já Renata Moço argumentou que as condutas a ela atribuídas são essencialmente ligadas ao exercício da advocacia, que não há indícios de autoria dos crimes a ela imputados e que o conjunto probatório amealhado é demasiadamente frágil, sustentando a ausência de justa causa para a ação penal.

[A advogada Tatiana Cavalcanti Teixeira Felício e o promotor de Justiça André Luís Felício — Foto: Facebook/Reprodução]

Rejeição

Em seu voto, o relator do caso no Órgão Especial do TJ-SP, desembargador Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda, salienta que a denúncia formulada pelo MPE “merece ser processada em parte”.

Com isso, o acórdão rejeitou a denúncia apresentada contra o publicitário Carlos Wagner Werner Braga pelo crime de concussão, além de concurso de pessoas.

“Por tal motivo, ressalva deve ser feita à denúncia formulada em face de Carlos Wagner Werner Braga, eis que nas circunstâncias descritas, bem como nos elementos de convicção amealhados no procedimento investigatório, não se vislumbram preenchidas, com relação a ele, as elementares do crime de concussão, seja porque não há qualquer indício de que tenha exigido ou recebido alguma vantagem, seja porque menos ainda se verifica o dolo necessário à caracterização da conduta típica”, salienta Ferraz de Arruda.

“A denúncia merece, pois, rejeição com relação ao co-acusado Carlos Wagner Werner Braga devendo ser recebida com relação aos demais”, complementa.

A advogada Renata Moço — Foto: Facebook/Reprodução

Voto do relator

“No caso em tela, a denúncia descreveu detalhadamente os fatos e circunstâncias em que estes ocorreram, como se depreende do relatório supra formalizado, permitindo clara compreensão bem como o oferecimento das defesas preliminares”, avalia Ferraz de Arruda.

“Saliente-se que nesta fase processual, prevalece o princípio do in dubio pro societate [o benefício da dúvida deve favorecer a sociedade], pelo qual, havendo indícios de autoria e materialidade delitiva a inicial deve ser recebida para apuração dos fatos e devida formação da culpa, não podendo o Julgador, de pronto, cercear o jus accusationis [direito de acusar] do Estado, a menos que manifesta seja a ausência de justa causa para a ação penal”, prossegue o desembargador.

Ainda segundo o relator, “os depoimentos colhidos na fase investigativa, bem como os documentos (recibos de recebimento de valores pelos réus) formam indícios que dão sustentação à denúncia, de modo a exigir que melhor apuração dos fatos se dê no bojo da ação penal”.

O voto do relator cita que a contratação do escritório das advogadas por um advogado e por dois médicos, que a reunião do promotor com um dos médicos em um café, que o depósito de honorários advocatícios diretamente na conta de Tatiana e que os depoimentos dos investigados sugerindo a associação da advogada Renata com o promotor “são todos elementos constantes das provas orais [...] dos autos que precisam ser devidamente apurados”.

“Dentre os elementos de prova colacionados aos autos, verifica-se a reunião dos acusados com as supostas vítimas, o recebimento de honorários profissionais que podem caracterizar a vantagem indevida descrita nos tipos, tudo a exigir melhor apuração das condutas”, frisa Ferraz de Arruda.

“Não se sustentam, pois, as alegações formuladas nas defesas preliminares no sentido de que a acusação seria temerária e fantasiosa, bem como de que a inicial seria inepta, bastando, como já mencionado, em virtude do princípio do in dubio pro societate, a probabilidade de procedência da ação penal”, argumenta o desembargador.

O relator cita decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) segundo a qual “havendo suspeita fundada de crime, e existindo elementos idôneos de informação que autorizem a investigação penal do episódio delituoso, torna-se legítima a instauração da 'persecutio criminis' [persecução penal], eis que se impõe, ao Poder Público, a adoção de providências necessárias ao integral esclarecimento da verdade real, notadamente nos casos de delitos perseguíveis mediante ação penal pública incondicionada”.

“Por todo o exposto, recebo em parte a denúncia para que a ação penal tenha regular prosseguimento, nos termos do artigo 7º, da Lei nº 8.038/90, em relação aos acusados André Luís Felício, Tatiana Cavalcanti Teixeira Felício e Renata Moço, todos qualificados na inicial, rejeitando-a com relação ao acusado Carlos Wagner Werner Braga”, delibera Ferraz de Arruda no voto que resultou no acórdão do Órgão Especial do TJ-SP.

Por fim, além de levantar o segredo de Justiça que havia sido decretado para o caso, o relator ainda deixou de determinar o afastamento do promotor de Justiça do cargo “por entender que não cabe tal providência em sede de recebimento de denúncia”, ficando a incumbência ao MPE, administrativamente, "caso entenda por bem".

Afastamento do cargo

O promotor de Justiça André Luís Felício está afastado do cargo por determinação do procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Gianpaolo Poggio Smanio, desde abril do ano passado.

No âmbito administrativo do Ministério Público do Estado de São Paulo, Felício é alvo de uma sindicância que apura fatos relacionados à sua atuação como promotor de Justiça em Presidente Prudente.

A decisão de Smanio, que é o chefe do Ministério Público do Estado de São Paulo, acatou uma solicitação de afastamento cautelar de Felício feita pela Corregedoria-Geral da instituição.

O pedido apresentado pela Corregedoria-Geral foi baseado no artigo 253 (e parágrafo único) da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público.

A norma estipula que, durante a sindicância ou durante os processos administrativo disciplinar, de remoção compulsória ou de disponibilidade, o procurador-geral de Justiça, por solicitação do corregedor-geral do Ministério Público, do Conselho Superior do Ministério Público ou da Comissão Processante Permanente, sempre ouvido o Conselho Superior do Ministério Público quando não for autor do requerimento, pode afastar o sindicado, o acusado ou o representado do exercício do cargo, sem prejuízo de seus vencimentos e vantagens.

Um levantamento feito pelo G1 com informações disponibilizadas pelo próprio MPE apontou que, de maio de 2019 a janeiro de 2020, o promotor André Luís Felício recebeu R$ 223.546,07 em salários líquidos. O valor bruto dos rendimentos chegou a R$ 337.910,70, segundo dados do MPE.

Promotor e esposa

O G1 ligou para o telefone residencial do promotor André Luís Felício às 21h51 desta terça-feira (18) e ele atendeu a ligação. Ao ser informado sobre o assunto da reportagem, Felício disse que o G1 deveria falar com seu advogado. O promotor pediu para que o G1 ligasse novamente alguns minutos depois, pois ele iria pegar o contato de seu defensor para que a reportagem o ouvisse.

Diante do pedido, o G1 ligou várias vezes novamente para a casa do promotor, mas as ligações não foram completadas.

A reportagem também enviou uma mensagem para um número de celular que possuía como contato de Felício, porém, a mensagem não foi recebida.

Renata Moço

O advogado Vitor Hugo Santana dos Santos, que atua na defesa da advogada Renata Moço, informou ao G1 na noite desta terça-feira (18) que sua cliente vai provar sua inocência.

Conforme Santos, Renata Moço possui uma carreira de mais de 20 anos com um escritório em Presidente Prudente e ainda mais quatro em outros estados do país.

“Ela não fez parte de nenhum esquema para captar clientes e vamos provar sua inocência”, concluiu Santos ao G1.

 

Informações do site G1




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