Reforma trabalhista pretendida pelo Governo Temer
Prevalência do negociado sobre o legislado e breve comparação com o modelo Norte-Americano.
Um dos temas mais delicados que o governo estabelecido pelo Presidente da República Federativa do Brasil em exercício, Michel Temer, será a condução da reforma trabalhista. No âmbito da reforma trabalhista encontra-se a perspectiva de alteração da legislação em vigor para que a Negociação Coletiva prevaleça sobre o que legislado, em outras palavras, proporcionando até mesmo a possibilidade de supressão de direitos trabalhistas, especialmente em tempos de crise econômica.
A maior recessão econômica do País, em mais de oitenta anos, lança ameaças à Consolidação das Leis do Trabalho, considerada ultrapassada por aqueles que se dizem parte dos setores produtivos.
Do estudo do modelo norte-americano de negociação coletiva é possível extrair importantes lições, alguma delas de grande atualidade e importância em face do direito brasileiro.
Em primeiro lugar, fica evidente que o desenvolvimento da Negociação Coletiva reclama mais do que a mera eliminação dos obstáculos institucionais à organização dos sindicatos, como a unicidade compulsória e o critério de sindicalização por categoria (artigo 8º, inciso II, da Constituição), restrições absolutamente incompatíveis com o princípio da liberdade sindical. É preciso ir além, porque, conforme assinala Gino Giugni, “la azione del sindicato non si svolge nel vuoto instituzionale” (1). Assim, mais do que a revogação da legislação contrária à liberdade de organização sindical, de rigor a criação de normas que favoreçam a negociação coletiva, como preconizado, aliás, pela Convenção n. 98 da Organização Internacional do Trabalho.
Entende-se. Pouco significa impor a obrigação formal de negociar, já inserida na legislação brasileira há muito tempo (CLT, artigo 616, caput) se o procedimento de negociação não é disciplinado ou tutelado. E para tutelar a negociação coletiva é necessário, logo de início, coibir os atos antissindicais que entravam e dificultam a composição dos conflitos pelas próprias partes.
Ao lado da definição ampla da conduta antissindical, haja também, para combatê-las, tanto sanções dissuasórias eficazes como instrumentos processuais eficientes. O largo emprego das injuctions em conflitos coletivos no direito norte-americano mostra-o com clareza. Em segundo lugar, o dever de agir de boa-fé, verdadeiro princípio geral do direito, que perpassa todo o ordenamento jurídico hoje já expressamente consagrado no Código Civil, não pode deixar de se estender também no campo da negociação coletiva, impondo às partes a observância de certos parâmetros e limites, como aos poucos vai reconhecendo a jurisprudência.
E desse dever de agir de boa-fé se tira, como visto, a importante obrigação de prestação de informações essenciais para que a discussão sobre condições de trabalho não se torne, como muitas vezes ocorre, gratuita e aleatória, desvinculando-se completamente da realidade. Em terceiro lugar, não se deve nunca perder de vista que, por mais desenvolvido que sejam os procedimentos de negociação coletiva e fortes os sindicatos, ainda assim restam matérias inevitavelmente excluídas da disponibilidade das partes. Mesmo no regime norte-americano de relações do trabalho, em que tanto se deixa a negociação coletiva, não se ocupando a legislação, em regra, do conteúdo dos ajustes estabelecidos, reconhece-se a existência de assuntos postos ao abrigo da vontade dos agentes econômicos.
Não haverá de ser de outro modo no direito brasileiro. Imaginar que, em algum momento, isso possa mudar, ficando toda e qualquer matéria sujeita à negociação é inaceitável. Desconsidera o interesse da própria sociedade na determinação de certos aspectos das relações de trabalho, de que decorre a existência “des régles qui s´imposent absolument aux partis à la convention collective”(2), como já decidiram, aliás, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior do Trabalho, em paradigmáticos julgados, e que hoje deixa expresso o parágrafo único do, do art. 2035, do Código Civil, para abranger tanto as convenções individuais como as coletivas, e de modo ainda mais claro, o Código de Trabalho de Portugal, o qual, embora tenha explicitamente procurado promover a “adaptabilidade e flexibilidade da disciplina laboral”, inclusive relativizando como consta de sua Exposição de Motivos dispões que “os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho não podem contrariar normas imperativas”.
Daí porque o papel que cabe ao legislador na fixação de condições do trabalho jamais pode ou poderá ser inteiramente desempenhado pela negociação coletiva, por mais desenvolvimento que ela tenha. (3)
NOTAS
1. Per una moderna legislazione sui rapporti di lavoro em Il diritto sindicale, Bologna, Il Mulino, p. 423.
2. Gérard Couturier, Droit du travail – Les relations collectives de travail, Paris, 1994, p.451.
3. Direito, Direito doTrabalho e Processo em Transformação – Estevão Mallet, LTr, 2013.
Rogério Navarro - Advogado, Especialista em Direito do Trabalho.
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