Que desses males nos venha um bem
Nosso Século XX foi um horror institucional, diz o escritor
Nosso Século XX foi um horror institucional. Grande parte dele foi de exceções, golpes, ditaduras. Ainda hoje sofremos suas consequências. Saímos das situações mais execráveis com covardias e conciliações gerais.
Não tivemos coragem nem de julgar nossos ditadores e seus sequazes torturadores e assassinos. Pior! Nas passeatas políticas, nas redes sociais e mesmo no Congresso Nacional há quem manifeste saudade desses tempos bruscos.
Vejo no Século corrente importante diferença no modo de encaminharmos solução para divergências dos nossos negócios públicos. Conduzimos, hoje, as instabilidades institucionais via manobras políticas e demandas judiciais.
Uns sujeitos políticos que há pouco frequentavam os mesmos salões palacianos (Dilma, Temer, Lula, Cunha, Renan) entraram em grave conflito de interesses e se puseram conspirar cada qual contra cada um.
A oposição ao governo, vendo o estrago que se faziam a si próprios os governantes, claro, menos para o benefício do País e mais por oportunismo típico do mundo que disputa poder, aproveita-se da situação.
As coisas se remanejaram: parte do governo atira nele próprio; outra parte acertou-se com a oposição; a oposição, que era uma federação mal organizada, alinhou-se a favor de nada, mas contra os governantes.
Nossa governante (logo, o governo), ademais de caída no desgosto do povo por incompetência gerencial, meteu-se em sérias bobagens jurídicas na administração e trouxe outras tantas da campanha.
Por tolices praticadas como presidenta (pedaladas fiscais), pode sofrer impeachment; pelas que praticou na campanha (corrupção eleitoral), pode ter seu mandato cassado. O governo grita que tudo é golpe. Golpe coisa nenhuma.
A alegação de golpe é insubsistente. Sobre o impeachment, não há ato do Congresso que não seja levado à apreciação do Supremo Tribunal Federal. Sobre corrupção eleitoral, o processo é com o Superior Tribunal Eleitoral.
Como poderia haver golpe se os tribunais superiores têm mais de 90% de seus ministros nomeados por Lula ou Dilma? Se o STF validar eventual impeachment ou cassação, é Justiça impossível de ser posta sob suspeição.
Sobre as pedaladas, há profusão de pareceres sobre serem ou não crime de responsabilidade. São irrelevantes as opiniões encomendadas. Vale a conclusão da Congresso e do Senado, e, se a ele chegar, a do STF.
Sobre corrupção eleitoral, as provas se estão avolumando. Há uma “inocente” doação de dentadura, o que mostra como ainda somos. Mas o que importa mesmo é o tanto que as delações premiadas (Lava-Jato) estão contando.
Talvez o Tribunal Eleitoral manifeste-se antes de a Câmara processar o impeachment. Caso ocorra cassação, ela atingirá Dilma e Temer. Em sendo neste corrente ano, nova eleição direta. Doutro modo, eleição indireta pelos congressistas.
Se o impeachment andar mais rápido do que o processo eleitoral e se for declarado impedimento, ele será apenas de Dilma. Temer (um desconhecido) assume e governa com a oposição atual, que, afinal de contas, o Brasil não elegeu.
O imbróglio, entretanto, não termina com a assunção do vice. Além de haver contra ele um pedido (improvável) de impeachment, o TSE não interromperá o processo de corrupção eleitoral com eventual caída de Dilma.
A jurisprudência indica que, em se cassando, cassam-se ambos, Dilma e Temer. Ainda que a prestação de contas de Temer tenha sido feita à parte da de Dilma, caem os dois, pois é derrubada a chapa.
Sem dúvida, é triste um país ver-se posto neste quadro. São coisas desmoralizantes da vida cívica. É ruim. Todavia, data venia, tenho que tudo isso é manobra política típica e processo judicial convencional de qualquer país democrático.
Desgosto e, eventualmente, compensação: afora as claques odientas de cada lado, suspeito que sairemos disso mais tocados por cidadania: discutimos política como não o fazíamos há tempos; conversamos até sobre Direito e Constituição.
Desaprecio anexins, mas “que desses males nos venha um bem”. O lulopetismo corrupto, a indiscrição processual do juiz Moro, as truculências publicadas nas redes sociais explicitam muitos males, mas sugerem algum bem a construir.
Leo Rosa
Doutor e Mestre em Direito pela UFSC. Especialista em Administração de Empresas e em Economia. Professor da Unisul. Advogado, Psicólogo e Jornalista.
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